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Crônica de uma Rotina Engolida

 


Na clínica, entre silêncios e confissões

O relógio marcava quase sete, mas o silêncio da sala de espera parecia estagnado no tempo. Lucas observava as linhas discretas das cadeiras, o verde pálido das paredes, o ruído distante do trânsito. Era sua terceira sessão do mês e, mesmo assim, sentia sempre aquele frio na barriga, como quem encara uma prova de matemática sem estudar.

A porta se abriu suavemente.

— Lucas, pode entrar — disse a psicóloga, sorrindo, um gesto acolhedor que ele sempre respondia com um aceno tímido.

Sentou-se no sofá, a mochila largada aos pés, e esperou que as palavras surgissem. Mas a terapeuta sabia esperar. O silêncio, ali, era morada de confissões.

— Sabe, doutora, eu ando… sei lá, cansado. Às vezes acho que é tédio, outras só exaustão mesmo. Todo dia parece igual, um looping sem botão de pause.

Ela inclinou levemente a cabeça.

— E como tem sido para você conciliar tudo? Trabalho, academia, alimentação…

Lucas soltou um sorriso torto.

— Pois é. Acordo cedo, corro pra academia porque, dizem, faz bem pra cabeça. Depois, correria pro trabalho, reuniões sem fim. Chego em casa e ainda preciso pensar no que vou comer. Nem falo “preparar”, porque geralmente não tenho nem tempo — ou energia — pra isso.

— E a alimentação, onde entra nessa rotina? — indagou, anotando algo no bloco.

Ele riu, uma gargalhada breve, quase nervosa.

— Entra quando dá. Às vezes almoço às três, janto quase meia-noite. Tem dias que só percebo que estou com fome quando a irritação bate. É como se eu precisasse de um alarme interno, sabe? Um “Lucas, hora de comer!”. Mas nunca consigo me impor os horários certos. Me sinto meio fracassado com isso.

A psicóloga olhou nos olhos dele, sem pressa.

— Você já pensou em por que sente essa dificuldade? A que acha que se deve essa ausência de horários para comer?

Lucas esticou as pernas, olhou para o teto.

— Acho que é porque tudo o que faço é guiado por obrigações. Se não tenho alguém me cobrando, deixo pra depois. E comer… Virou só mais uma tarefa na lista.

O silêncio voltou por instantes, antes que ela falasse, calma:

— Talvez seja o caso de olhar para a alimentação como um cuidado, não uma obrigação. Como reservar um momento para si, no meio do caos.

Ele sorriu, meio sem jeito.

— Parece simples quando você fala. Mas na prática, encaixar esse “cuidado” na rotina é como tentar arrumar espaço numa mochila já cheia.

— Mas talvez, Lucas, o primeiro passo seja abrir um pequeno espaço. Não precisa ser perfeito, só possível.

A conversa seguiu entre tentativas, sugestões e confidências. Ao sair, Lucas sentiu o peso um pouco menor. Talvez, pensou, pudesse experimentar almoçar no horário certo pelo menos amanhã. Só por curiosidade, só pra ver como seria.

Na rua, o barulho do mundo já não parecia tão opressor. E, pela primeira vez em muito tempo, Lucas teve vontade de parar num café, pedir algo simples — e comer, ali, sem pressa, só porque sim.

Alcenir Borges Sousa Junior


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