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Quando a tempestade sopra de longe

Uma crônica sobre as guerras, as sanções e o eco no Brasil e no mundo

No início era apenas um rumor distante, um sussurro chegando pelas ondas do rádio, encoberto pelo chiado de estática e pelo ranger do portão ao vento. As guerras sempre começam como ecos em terras estrangeiras, manchetes que atravessam oceanos para pousar nas mesas de café da manhã, entre garfadas apressadas de pão francês e goles de café coado. Mas, ah, como esses ecos podem se tornar tempestades!

Quando os Estados Unidos decidem que um país ou um grupo merece ser punido, o mundo inteiro ouve o estrondo. Chamam de sanção — uma palavra que, de tão repetida, perde até o sentido, como se fosse apenas mais uma nuvem na paisagem. Mas quem vive fora do epicentro logo percebe: a tempestade não é só metáfora.

A cada novo embargo, o dólar, essa moeda onipresente, inquieta-se. No Brasil, o comerciante que importa peças para máquinas agrícolas assiste, impotente, ao preço subir como se a guerra fosse dentro do seu próprio barracão. O agricultor, que nada tem a ver com os jogos diplomáticos, sente o fertilizante encarecer, o diesel tornar-se artigo de luxo, a soja encontrada só nos mapas das bolsas internacionais. É como se o vento que sopra do Norte carregasse areia para dentro do motor de um país tropical: tudo range, tudo emperra.

Mas vamos sair das fazendas e sentar à beira do cais do porto de Santos. As filas de navios, que antes eram longas como procissões, agora hesitam. Alguns contêineres ficam para trás, esperando autorizações que demoram, ou simplesmente não vêm. O mundo, entrelaçado por fios invisíveis, revela sua fragilidade nos nós puxados pelas sanções. Um peixe pescado na Noruega, um chip fabricado em Taiwan, um medicamento produzido na Índia — tudo pode ser afetado por uma decisão tomada em Washington.

E, no entanto, o Brasil segue. Segue com suas contradições, suas soluções improvisadas, sua criatividade de sobreviver ao caos. O comerciante troca de fornecedor, o agricultor replanta outro grão, o pequeno industrial tenta diversificar. Por vezes, dá certo. Outras vezes, não. Mas o esforço é constante, como remar contra a correnteza, sem saber se a margem adiante é terra firme ou só mais um redemoinho.

As guerras, por sua vez, são como incêndios florestais: não respeitam fronteiras. O conflito de um lado do globo faz subir o preço dos combustíveis em outro. A escassez de trigo na Ucrânia ecoa nos supermercados do Recife, onde o pão francês já não é tão barato quanto ontem. O gás natural que falta no inverno europeu faz a energia ficar mais cara em São Paulo, acendendo debates e velas nas casas populares.

E há ainda a inflação, essa velha conhecida dos brasileiros, que volta com outros nomes e causas, mas com o mesmo efeito nos bolsos. O povo sente, antes mesmo de entender. Sente no preço do botijão, no corte de carne que some do prato, no remédio que precisa ser racionado. Na escola, as crianças aprendem sobre geografia e globalização, mas experimentam, sem querer, o amargo da economia mundial em suas próprias rotinas.

O mundo, hoje, é um tabuleiro onde poucos movem as peças e muitos pagam o preço das jogadas. Sanções que, em teoria, deveriam enfraquecer regimes e punir culpados, acabam atingindo quem menos tem, quem menos sabe. No Brasil, multiplicam-se os debates: “Devemos nos alinhar? Devemos resistir? Qual o caminho para escapar do fogo cruzado das potências estrangeiras?” Não há resposta simples, apenas tentativas, ensaios, adaptações.

De longe, há quem imagine que o Brasil é refém das circunstâncias, um espectador sem voz. Mas quem caminha pelas ruas de Brasília, pelo comércio de Manaus, pelos campos de Mato Grosso, sabe que a resiliência é parte da paisagem. As comunidades se organizam, as soluções alternativas emergem: cooperativas, trocas informais, tecnologia adaptada. O país, gigante e paradoxal, aprende a driblar as consequências de decisões tomadas a milhares de quilômetros.

No entanto, nem tudo é resistência. As feridas se acumulam. O desemprego cresce, a desigualdade se aprofunda. O dinheiro que falta para o arroz não é reposto com otimismo. E cada guerra nova, cada sanção anunciada, é um lembrete de que, em um mundo conectado, a neutralidade é quase impossível. Não há escapatória do impacto. O mundo, para o bem e para o mal, tornou-se pequeno demais para abrigar indiferenças.

É preciso olhar para o futuro, mesmo quando o presente parece embaçado. O Brasil, como tantos outros países, busca alternativas: parcerias no Sul global, acordos bilaterais, apostas em energia limpa, investimentos em ciência e tecnologia. Mas as apostas são arriscadas, e o tabuleiro continua em constante movimento, sujeito a ventos e tempestades criados por outros.

No fim do dia, os brasileiros se reúnem ao redor da mesa para jantar — às vezes farta, às vezes mais simples. Conversam sobre futebol, comentam as notícias, sonham com uma estabilidade que parece sempre adiada. Se há esperança? Sempre. Se há cansaço? Também. Porque viver sob a sombra das guerras e sanções é, sobretudo, resistir. É insistir em existir, apesar dos pesares.

No rádio, a notícia fala de uma nova sanção, de mais uma escalada em algum conflito distante. O vento lá fora balança as árvores, mas é dentro de cada casa que o impacto se faz sentir. E assim segue o Brasil, entre tempestades e calmarias, sobrevivendo ao eco das guerras alheias — esperando o dia em que o rumor distante seja apenas isso: um sussurro que não mais se transforma em tempestade.

Alcenir Borges Sousa Junior


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